MEC anunciou nesta quinta proposta de base nacional para a formação docente, que ainda precisa se aprovada pelo Conselho Nacional de Educação
Por Ana Carolina Moreno, G1
Colocar professores mais preparados nas salas de aula brasileiras é uma tarefa que envolve maior diálogo entre as universidades e as escolas, mas também maior participação da direção das universidades na reforma dos cursos de pedagogia e licenciatura. É o que dizem especialistas que participaram, nesta quarta-feira (12), do evento Educação 360, realizado pelos jornais "O Globo" e "Extra" em São Paulo.
Na tarde desta quinta (13), o Ministério da Educação anunciou uma proposta para a Base Nacional Comum de Formação de Professores da Educação Básica, que deverá ser avaliada e aprovada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) a partir de 2019.
Mozart Neves Ramos, conselheiro do CNE, será o relator do documento. Ex-reitor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e atual diretor de Articulação e Inovação do Instituto Ayrton Senna, ele defendeu que as faculdades criem institutos de formação de professores dedicados a uma maior integração entre o departamento responsável pelas disciplinas da educação e os departamentos que oferecem as disciplinas específicas da licenciatura.
"Ainda não chegamos na revolução 3.0, que era buscar essa integração de conteúdos, para reduzir os conteúdos e trabalhar mais a prática" - Mozart Neves Ramos
Alternativas de financiamento da Capes
Essa integração, diz Neves, deve envolver ainda a Pró-Reitoria de Graduação das universidades, e que os professores que atuam nas escolas precisam ter mais espaço dentro nas faculdades de educação, sendo recebidos "com tapete vermelho".
"Por que não consideramos esses professores para serem parte do corpo docente que forma os alunos na licenciatura?", questionou ele durante a mesa do evento dedicada à formação de professores.
Tanto Neves quanto Luiz Roberto Liza Curi, atual presidente do Conselho Nacional de Educação, afirmaram que uma forma de aproximar universidades e escolas é criar novas modalidades de financiamento de pesquisa, com requisitos que os professores do ensino básico que não tenham diplomas de mestrado e doutorado possam cumprir.
Em outra mesa, dedicada às experiências de elaboração dos currículos após a aprovação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a formação docente também foi abordada.
"Precisamos das universidades brasileiras nessa reengenharia da formação de professores que vai acontecer depois da base", afirmou Haroldo Rocha, secretário de Educação do Espírito Santo e vice-presidente do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação (Consed).
"Base só dá certo se os professores estiverem compreendendo profundamente do que se trata. Avançamos nisso, mas tem muito o que fazer."
Já Kátia Smole, secretária de Educação Básica do Ministério da Educação, afirmou que não é verdade que todos os professores brasileiros sejam ruins, e que é preciso dar um voto de confiança nele. "Temos que confiar no professor. Temos gente muito boa dando aula nesse país, disposta a dialogar. Mas precisamos escutar", afirmou ela.
Em entrevista coletiva a jornalistas nesta quinta, ao apresentar a proposta do MEC para reformar a formação de professores, Smole disse que, nas reformas anteriores feitas pelo governo federal nos últimos anos, como as mudanças no ensino médio e a BNCC, as universidades participaram mais por meio de "posicionamentos", mas que, agora, elas "precisam assumir protagonismo muito mais do que pautar um posicionamento".
"Quem está formando o professor que vai dar aula nesse ensino médio? Quem está formando continuadamente o professor que está dando aula no ensino médio?", ressaltou ela. "O convite para essa base agora é esse: vamos arregaçar as mangas e trabalhar juntos."
O professor do futuro
Miguel Thompson, presidente do Instituto Singularidades, também participou do Educação 360 nesta quarta, e disse que um dos principais desafios dos cursos de formação de professores é formar futuros professores que foram escolarizados seguindo um modelo que já não responde ao ser humano que a sociedade acha importante formar hoje em dia.
Segundo ele, a visão educacional atual exige uma abordagem integral do ser humano, e não compartimentada, como foi nas gerações anteriores. Por isso, os professores precisam saber ensinar as competências e entender do que elas se tratam e as habilidades, valores e experiência que estão por trás delas. "Formar esse tipo de professor é muito difícil porque ele está vindo desse modelo", disse Thompson.
Professores formados a distância
Para Luiz Curi, presidente do CNE, outro ponto que merece atenção é a modalidade de ensino a distância (EAD), que representa cada vez mais matrículas da licenciatura, e o alto índice de estudantes matriculados no turno noturno, o que dificulta o cumprimento das horas práticas de estágio.
Citando dados do Censo da Educação Superior, ele ressaltou que, em 2017, 1.589.440 estudantes estavam matriculados em um curso de licenciatura no Brasil, o que representa 19,3% de todas as matrículas na graduação.
Desses, 743.468 estudavam a distância, um número que mais que triplicou em dez anos, e já responde por 45,8% do total de matrículas da licenciatura.
Ao mesmo tempo, o número de matrículas em licenciatura presencial em 2017 foi de 845.972, praticamente o mesmo registrado em 2007.
Fonte: Inep/Censo da Educação Superior
Baixo custo alavancou EAD
Segundo Mozart Neves Ramos, do Instituto Ayrton Senna, um dos motivos da expansão da licenciatura EAD é o fato de a mensalidade ser mais baixa, o que afugentou os estudantes dos cursos presenciais.
Curi ressalta que o ensino a distância é "um instrumento absolutamente essencial" para levar as matrículas para fora dos grandes centros e permitir a inovação do ensino e o autoaprendizado dos estudantes, mas afirma que "não se pode admitir uma massa tão grande estudando de maneira não responsável".
Os dados do Censo mostram que 64,1% dos estudantes de licenciatura estão matriculados no EAD.
De acordo com ele, a modalidade passou a ser vista por instituições privadas como um meio de expansão de vagas sem aumento de custos, e muitas delas passaram a criar cursos de mestrado e doutorado para cumprir os requisitos e se tornarem universidades, o que lhes permite mais autonomia para aumentar o número de vagas.
"A educação a distância é uma oportunidade, faz bem pro país ter, mas nós precisamos tomar conta para que ela seja plena, ampla e seja um acréscimo no processo de formação, e não um decréscimo de qualificação do egresso da instituição."